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Estratégias avançadas de manejo da ansiedade em atletas de elite: um estudo de caso.

Markus Lothar Fourier


Como já escrevi aqui em posts anteriores, todo atleta, seja ele amador ou profissional, fica ansioso antes e durante uma competição. A questão é como os profissionais lidam com esse sentimento. Já vimos no post anterior como Djokovic costuma trabalhar seu lado mental, por isso, neste texto, compartilharei com vocês um estudo de Hanton, Wadey e Mellalieu (2008), no qual oito atletas britânicos de elite, de diferentes modalidades, foram entrevistados para falar de suas estratégias de enfrentamento diante da ansiedade. Meu objetivo aqui é ajudar atletas e treinadores a desenvolverem rotinas e exercícios para melhorar os resultados em competições.


Ansiedade Competitiva: Entendendo a Direção e a Intensidade

A ansiedade antes e durante as competições é um fenômeno inevitável no esporte de alto rendimento. No entanto, seu impacto sobre o desempenho não depende apenas de sua intensidade, mas principalmente de como o atleta a interpreta. Muitos ainda acreditam que sentir ansiedade significa que são fracos mentalmente ou que coisas ruins vão acontecer em decorrência desse sentimento.


Dois aspectos principais caracterizam a ansiedade competitiva: intensidade e direção. A intensidade refere-se ao nível de ansiedade experimentado pelo atleta — seja leve, moderado ou alto. Já a direção diz respeito à forma como essa ansiedade é percebida: ela pode ser interpretada como facilitadora, ajudando no desempenho, ou como debilitante, prejudicando o rendimento.


Diferente do que muitos acreditam, pesquisas mostram que atletas de elite, em geral, não necessariamente sentem menos ansiedade que atletas menos experientes, mas diferem na maneira como a interpretam. Enquanto atletas menos experientes costumam perceber os sintomas de ansiedade — como aceleração dos batimentos cardíacos, tensão muscular e pensamentos antecipatórios — como algo negativo, os atletas mais experientes tendem a reconhecer esses sinais como parte do processo competitivo, usando-os como um fator motivacional para atingir um estado de prontidão psicológica.


Essa diferença de percepção é fundamental para o desempenho. Quando a ansiedade é vista como algo positivo e inerente ao processo, o atleta mantém a confiança, foca no que pode controlar e transforma a excitação pré-competitiva em energia direcionada à execução. Por outro lado, quando a ansiedade é interpretada como negativa ou inadequada, o atleta pode gastar muita energia e concentração tentando eliminar, sem sucesso, esse sentimento e, por consequência, perder o foco do que realmente importa e pode controlar, levando à queda no rendimento.


Estratégias Psicológicas Avançadas Utilizadas por Atletas de Elite.

No estudo de Hanton et. al. (2008), os autores identificaram 4 estratégias principais para lidar com a ansiedade competitiva. Foram elas:

  1. Treinamento por Simulação

  2. Reestruturação Cognitiva

  3. Rotinas Pré-Performance

  4. Superaprendizagem de Habilidades


  1. Treinamento por Simulação

Esta estratégia envolve simular condições competitivas no treinamento para preparar os atletas para os estressores que eles podem enfrentar durante a competição, desde o barulho da multidão ou arbitragem ruim até estressores internos, como raiva ou ansiedade.

Aqui vale a criatividade para bolar formas de gerar nos atletas essas dificuldades. O importante é que, nesse momento, haja pressão, medo de perder ou algum estímulo que faça com que ganhar, naquele exercício, seja importante. Apostas, prendas ou prêmios, ainda que ínfimos, geralmente já geram esse sentimento nos atletas.


Dica nº 1: não use exageradamente essas simulações para que elas não gerem um estresse além do que o atleta consegue lidar. Às vezes, um treino leve e descontraído pode ser mais importante e eficaz.


Dica nº 2: depois das simulações, converse com o atleta sobre como foi para ele. Pensar e falar promovem elaborações cognitivas diferentes sob uma mesma experiência. Perguntas como "o que ele sentiu?", "o que fez com o que sentiu?" e "se ele acha que foi uma boa estratégia?" ajudarão a extrair e consolidar melhor os aprendizados.


Também é interessante usar o ensaio mental e a prática física para simular essas condições. Ao praticar dessa forma, os atletas podem aprender a lidar com situações estressantes e se sentir mais no controle durante a competição real. O treinamento de simulação não diminui a ansiedade, mas ajuda os atletas a controlar sua resposta à ansiedade, criando sentimentos de familiaridade e competência para lidar com essa situação.


  1. Reestruturação Cognitiva

Nas entrevistas com os atletas, os pesquisadores perceberam que estes usavam duas estratégias para fazer essa reestruturação cognitiva. A primeira estava associada a uma ampliação de perspectiva. A ansiedade surge quando imaginamos que algo de ruim poderá acontecer no futuro, seja ele próximo ou distante. Mas o que é de fato ruim depende da forma como enxergamos as coisas. Perder uma final é ruim? Pode ser. Mas qual o real impacto que isso terá na sua vida? Que dimensão isso tem se a compararmos com outras circunstâncias da vida, como o falecimento de alguém ou o diagnóstico de uma doença grave? As pessoas que você ama deixarão de admirá-lo caso a vitória não venha?


“Para transformá-las [dúvidas] em algo mais positivo, tento colocar as coisas em perspectiva. Lembro-me dos momentos difíceis que tive fora do esporte... Quero dizer, é apenas uma corrida...”


Uma segunda estratégia de reestruturação cognitiva presente na rotina dos atletas foi a mudança na forma de encarar o que significa estar ansioso.

Alguns atletas com quem já trabalhei acreditavam que, se eles estavam sentindo ansiedade durante uma competição ou em um momento específico, significava que eles não eram tão bons quanto os demais, que eles eram “amarelões”, fracos ou que, dessa forma, eles não conseguiriam performar no seu melhor. Tudo isso são crenças e distorções cognitivas. Todo atleta sente ansiedade. Se você não acredita que todo atleta sente ansiedade, leia este outro post.


“Eu digo a mim mesmo que todos se sentem assim e que isso é apenas parte da competição.”


Sentir ansiedade é normal e até desejado quando se está diante de algo importante. Costumo dizer aos meus atletas que a ansiedade é um sinal de que ele está indo na direção do que deseja, do que realmente importa para ele. Gosto de ilustrar essa ideia com o exemplo de um encontro com alguém em quem você está interessado. Nessas horas, você ficará ansioso, e isso é um bom sinal. O único jeito de não sentir isso é ficando em casa, mas isso não o aproximará do que você quer.


Se soubermos usar a ansiedade a nosso favor, ela nos dará motivação para treinar mais, fará com que o aquecimento seja levado a sério e nos ajudará a cuidar de tudo que está em nosso controle para aumentar as chances de vitória. A reestruturação cognitiva pode aumentar o esforço e a motivação, o que diminui a intensidade dos sintomas irracionais e aumenta a autoconfiança.


“Eu os vejo [sintomas somáticos] como um sinal de que estou pronto para atuar, porque sempre tenho esses sentimentos antes de competir.”


  1. Rotinas Pré-Performance

Diferente de outros tempos, em que a rotina pré-competitiva focava basicamente no aquecimento do corpo, a preparação de quase todo atleta de elite hoje em dia se baseia em um misto de corpo e mente trabalhando juntos. Segundo os autores, essas rotinas não diminuem a ansiedade, mas ajudam o atleta a não se perder no turbilhão de pensamentos inúteis e catastróficos e a ficar focado no que está sob seu controle.


“Chego à quadra mais ou menos uma hora antes do jogo. Troco de roupa rapidamente e passo algum tempo fazendo alguns exercícios de arremessos e bandejas para relaxar. Então, nos reunimos como um time e falamos sobre o adversário antes de nos aquecermos juntos... É durante esse tempo que eu começo a me imaginar alcançando os objetivos que estabeleci para o jogo que está por vir.”


“Antes da corrida, geralmente seguimos a mesma rotina até certo ponto. No entanto, nem sempre é possível realizar o mesmo aquecimento todas as vezes, pois pode haver tráfego no rio, embora planejemos completar o aquecimento completo. Então, depois de organizar o barco e praticar algumas braçadas, é hora de lidar com o nervosismo, gastando algum tempo apenas imaginando a largada perfeita e dizendo coisas positivas para mim mesmo para me concentrar na corrida.”


Os relatos acima nos ajudam a visualizar como fazer essas rotinas pré-competitivas. Não há uma fórmula mágica. Cada preparação deve considerar o perfil do atleta, a realidade do local e o momento. A grande vantagem desse processo é que ele ajuda a manter o foco, reduzir distrações e promover um estado psicológico ideal para o desempenho.


  1. Superaprendizagem de Habilidades

Esta estratégia envolve a execução repetida de habilidades físicas e mentais que os atletas usarão na competição. A ideia central é a mesma do caminhar, algo tão automático que nem pensamos mais em como o fazemos. Os atletas repetem, física e/ou mentalmente, o maior número de vezes possível, uma jogada ou movimento técnico para que, na hora da competição, o senso de autoconfiança esteja elevado e a cabeça não seja inundada por pensamentos de erros e fracassos. Na pesquisa, percebeu-se que o superaprendizado influencia o nível de sintomas encontrados antes da competição, criando a percepção de execução bem-sucedida da habilidade, o que reduz os sintomas cognitivos relacionados ao desempenho e dá uma sensação de controle maior. 


“Repassamos qualquer peça nova um número infinito de vezes, mas não podemos continuar fazendo isso por muito tempo. É por isso que combiná-la com imagens é tão útil... Ela [a imagem] não exige nenhum esforço físico.”


Conclusões, Sugestões e Dicas.

Meu objetivo com este texto era ajudar atletas e treinadores a lidarem melhor com a ansiedade antes e durante as competições. Existem muitas formas de enfrentar essa situação. No post anterior, vimos como o tenista Novak Djokovic maneja suas emoções e pensamentos durante as partidas. O sérvio usa algumas estratégias diferentes das que foram encontradas nas entrevistas com esses atletas ingleses.


Compartilho essas diferentes estratégias porque não acredito em caminhos iguais para pessoas diferentes. As pesquisas e relatos de atletas servem como inspiração para que cada um encontre sua forma ideal de lidar com a ansiedade. O importante, para mim, é que esses posts ajudem a abrir portas e ampliar a forma de entender os fenômenos psicológicos no esporte. Na minha época de atleta juvenil, não imaginava que certas limitações que eu apresentava tivessem solução. Eu simplesmente achava que era um atleta pior, e isso influenciou muito minha motivação, autoconfiança e resultados. Eu sei que jamais teria sido um atleta profissional de elite, mesmo que tivesse recebido toda a ajuda do mundo, mas acredito que eu teria saído dessa etapa com um sentimento melhor, de cabeça erguida e contente por ter jogado o meu melhor, e isso teria me ajudado muito nos anos seguintes.


Se você deseja ser um atleta profissional, ou ao menos quer chegar ao seu limite dentro do seu potencial, cuide do seu lado mental. Treine-o, fale sobre ele e, se precisar, busque a ajuda de um profissional. Tenho certeza de que isso irá ajudar.

Um abraço e até a próxima.


 

Referência:

Hanton, S., Wadey, R., & Mellalieu, S. D. (2008). Advanced psychological strategies and anxiety responses in sport. The Sport Psychologist, 22(4), 1  472-490.

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Markus Fourier

Psicólogo CRP 06/155904

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