
Fernando Meligeni, ex-tenista profissional, conta que, após vencer uma partida, encontrou Rafael Nadal no vestiário. Na época, o tenista espanhol era apenas uma promessa, com 16 anos. Nadal se aproximou e começou a comentar sobre o que havia visto no jogo, detalhando diversos fatores psicológicos e táticos que ajudaram a explicar o resultado da partida. Meligeni conta que ficou impressionado com a leitura do jovem prodígio e chegou a perguntar ao seu treinador se ele havia feito essa análise. Seu tio e treinador, Toni Nadal, apenas sorriu e disse: "Não, foi ele quem percebeu tudo isso sozinho". O resto é história, mesmo quem não acompanha o tênis sabe quem é Rafael Nadal.
Essa história me ajuda a explicar e justificar porque, sempre que inicio um trabalho com um atleta, faço as seguintes perguntas:
Quanto tempo você passa se preparando mentalmente antes de uma partida?
Você sabe, sem sombra de dúvidas, quais são seus pontos fortes e fracos como jogador? E os do seu adversário?
Você registra em algum lugar seu plano de jogo?
Você dedica seu tempo para visualizar mentalmente seu plano de jogo?
Quando você perde, você sabe detalhar porque você perdeu? E quando ganha, sabe dizer o porquê do triunfo?
Geralmente, no começo dos trabalhos, as respostas para essas perguntas são breves e vagas, mas à medida que dedicamos tempo para raciocinar e analisar as coisas, o que vejo é o aumento da capacidade de pensar o jogo e conseguir resolver problemas durante as partidas.
O que é Inteligência de Jogo e Pensamento Estratégico no Esporte?
Inteligência de jogo é a habilidade de compreender a dinâmica da partida em tempo real, antecipar jogadas e se adaptar rapidamente, encontrando soluções eficazes em momentos decisivos. Já o pensamento estratégico envolve a elaboração de planos de jogo com base nas características e na tática do adversário. Para um bom plano de jogo, é importante considerar os próprios pontos fortes e fracos, bem como os do adversário. Seu principal objetivo é definir um plano tático que ofereça clareza sobre as ações necessárias para vencer.
Inteligência de Jogo, Pensamento Estratégico e Psicologia. Qual a relação?
A inteligência de jogo e o pensamento estratégico são diretamente influenciados por diversos fatores psicológicos que afetam a percepção, o raciocínio e a escolha de ações em tempo real.
Entre os principais fatores, destacam-se:
Atenção e Percepção;
Consciência Emocional e Regulação Emocional;
Memória e Heurística (atalhos mentais;
Autoconfiança;
Fadiga Mental e Estresse.
A importância destas competências no desenvolvimento de atletas juvenis.
Desenvolver a inteligência de jogo e o pensamento estratégico é fundamental no desenvolvimento do atleta em formação por diversos fatores. A meu ver, os principais são:
Como qualquer outra competência, elas precisam de tempo para se aperfeiçoar. Se deixarmos para ensinar isso aos atletas mais adiante, pode ser tarde demais.
O desenvolvimento técnico será melhor absorvido se o atleta entender a função tática daquele movimento ou jogada.
Sempre que estamos lidando com o esporte de rendimento, pequenas diferenças podem significar muito no resultado final. Um atleta que, ao longo da sua formação, experimentar mais vitórias do que derrotas tenderá a ter uma autoconfiança melhor, o que impactará diretamente na sua motivação e resiliência.
Atletas que, na juventude, são muito habilidosos e conseguem bons resultados com pouco esforço, podem enfrentar muitos desafios e dificuldades quando se profissionalizarem, pois não estão habituados a analisar, raciocinar e resolver problemas durante as partidas.
Atletas juvenis que não são naturalmente habilidosos poderão ganhar partidas importantes, o que lhes dará confiança para persistir e alcançar resultados satisfatórios.
Pensar antes na partida antecipa parte da carga mental. É como fazer um trabalho pesado a prestações. Se deixarmos para fazer todas as análises e pensar as estratégias durante o jogo, a demanda mental tenderá a ser mais alta e passível de falhas. Sem contar que, no calor do momento, quando as coisas estão difíceis, o raciocínio geralmente fica prejudicado. Ter um bom plano de jogo faz com que o atleta entre para a disputa com algumas cartas na manga.
Como Desenvolver a Inteligência de Jogo e o Pensamento Estratégico?
Desenvolva e treine capacidades mentais básicas para o aprimoramento da inteligência de jogo, como a percepção, a concentração, a antecipação, o raciocínio, a tomada de decisão e o pensamento estratégico.
Desenvolva para cada partida um plano de jogo, considerando seu estilo, seus pontos fortes e fracos, assim como os do seu oponente. O plano de jogo deve ser registrado e, se possível, conversado e explicado ao treinador, pai ou colega. O ato de falar em voz alta e se ouvir falando ajuda a elaborar, raciocinar e gravar o plano na memória.
Analise mentalmente suas partidas, destacando o que deu certo, o que deu errado, o que você faria de diferente. Assim como na construção do plano de jogo, essa prática será melhor aproveitada se o atleta tiver com quem compartilhá-la.
Visualize antecipadamente suas jogadas. Esse é um dos motivos que faz a criação de um plano de jogo ser tão importante. Se você planeja o que fazer, pode usar as técnicas de visualização para ir programando seu cérebro antes da partida.
Assista a vídeos seus, de adversários ou de outros jogadores e registre suas percepções. O ato de pensar e registrar ajuda no desenvolvimento do raciocínio e pensamento estratégico.
Treine as capacidades mentais sob pressão de tempo, simulando a realidade de um jogo real.
Crie situações abertas durante o treino (situações com várias alternativas de solução) e aprenda estratégias eficientes para solucionar essas situações.
Faça exercícios que estimulem o reconhecimento de padrões e a tomada de decisão rápida.
E se você é treinador ou pai de um atleta juvenil, uma dica específica: para desenvolver o plano de jogo e o pensamento estratégico, precisamos estimular o atleta a pensar. Por isso, melhor do que dizer o que ele deve fazer ou o que fez certo ou errado após uma partida, é transformar esses pontos em perguntas e deixar que eles respondam sozinhos. Se você achar que a resposta está muito longe do que você observou ou do que você pensa, procure fazer outras perguntas que ajudem o atleta a refletir sobre o que está dizendo. Isso não significa que você não pode falar o que pensa, dar dicas e feedbacks, mas deixe isso para depois. Se você der as respostas primeiro, não estimulará que o atleta pense por si mesmo.
Em resumo, o desenvolvimento da inteligência de jogo e do pensamento estratégico são passos importantes para qualquer atleta que visa ao alto rendimento, dado o equilíbrio e a competitividade no nível profissional. Ao contrário do que muitos pensam, essas competências nem sempre são inatas e podem ser treinadas. Para isso, no entanto, é preciso dar foco a elas, com treinamentos e metodologias adequadas.
Como você trabalha sua inteligência de jogo no seu esporte?
Referências
SAMULSKI, Dietmar. Treinamento mental no tênis: como desenvolver as habilidades mentais. Barueri, SP: Manole, 2011.
VERNON, G., Farrow, D., & Reid, M. (2018). Returning Serve in Tennis: A Qualitative Examination of the Interaction of Anticipatory Information Sources Used by Professional Tennis Players. Frontiers in Psychology, 9. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.00895.
BLASER, M., & Seiler, R. (2019). Shared Knowledge and Verbal Communication in Football: Changes in Team Cognition Through Collective Training. Frontiers in Psychology, 10. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.00077.
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