
Para quem gosta de tênis, o jogo entre Djokovic e Alcaraz, valendo vaga nas semifinais do Australian Open, foi uma verdadeira aula sobre a importância do treinamento mental no esporte. Djokovic, mesmo lesionado, jogando “com uma perna e meia”, como ele mesmo afirmou, conseguiu superar o jovem espanhol, mais novo e em melhores condições físicas.
Essa vitória me fez lembrar de uma entrevista recente do sérvio, na qual ele corrige o entrevistador que, em sua pergunta, afirma que o lado mental de Djokovic é uma qualidade inata. Para quem não viu o vídeo, segue a descrição do diálogo, onde ele explica como faz para ser tão forte mentalmente.
Entrevistador: Força mental, que acredito ser seu maior trunfo, é muito mais difícil de articular.
Djokovic: Eu preciso corrigir você. Não é um dom, é algo que vem com trabalho.
Entrevistador: Você treina o lado mental da mesma forma que treina seu saque ou seu forehand?
Djokovic: Absolutamente.
Entrevistador: Como?
Djokovic: Bem, existem diferentes técnicas: a respiração consciente é uma grande parte, especialmente em momentos de tensão.
Entrevistador: Acho que muitas pessoas pensam: 'Ah, no momento, o Novak está tão focado', e você está dizendo que isso tudo faz parte do processo.
Djokovic: Quero dizer, eu posso parecer talvez focado, mas acredite em mim, há uma tempestade lá dentro. E você sabe, a maior batalha é sempre interna, certo? Quero dizer, você sabe que tem suas dúvidas e medos. Sinto isso em todas as partidas. Não gosto desse tipo de mentalidade que vejo muito nos esportes: 'Apenas pense pensamentos positivos, seja otimista, não há espaço para o fracasso, não há espaço para dúvidas e coisas assim'. É impossível, você sabe. Você é um ser humano.
A diferença, eu acho, entre os caras que conseguem ser os maiores campeões e aqueles que estão lutando para chegar ao mais alto nível é a capacidade de não ficar nessas emoções por muito tempo. Então, para mim, é realmente relativamente curto. Assim que eu experimento, eu reconheço as emoções difíceis, talvez eu exploda, grite na quadra ou o que quer que aconteça, mas então sou capaz de me recuperar e redefinir."
Qual é a habilidade à qual Djokovic se refere?
O termo da moda para explicar essa habilidade da qual Djokovic se refere seria o Mindfulness. Se você está familiarizado com esse conceito, provavelmente é devido ao seu aumento de popularidade nas últimas décadas. Mas para entender como a mindfulness se encaixa na psicologia do esporte e como ela pode transformar seu desempenho nas quadras, precisamos explorar suas raízes e aplicações.
O Mindfulness na Psicologia do Esporte
Tradicionalmente, a psicologia do esporte utiliza técnicas cognitivo-comportamentais para melhorar o desempenho. Essas técnicas visam aprimorar habilidades como estabelecimento de metas, controle de pensamentos e emoções. No entanto, o mindfulness oferece uma abordagem alternativa, enfatizando a atenção plena ao momento presente.
A ideia central é que, ao desenvolver a habilidade de observar seus pensamentos e sentimentos sem julgamento, os atletas podem lidar melhor com o estresse, a ansiedade e as distrações que surgem durante a competição.
A Desconstrução dos Pensamentos
Muitos atletas tendem a ruminar sobre o passado ou se preocupar excessivamente com o futuro. Essa atividade mental pode prejudicar o desempenho. O mindfulness nos ensina a questionar nossos pensamentos automáticos, como "Se eu perder, minha vida estará arruinada". Ao analisar esses pensamentos com mais atenção, podemos perceber que eles muitas vezes são exagerados ou irreais.
Como funciona na prática
Em vez de lutar contra a ansiedade sobre o que uma derrota pode significar para sua posição social, o que seu treinador ou amigo pode pensar, ou como é a pior coisa que aconteceu com você na semana, você reconhece o pensamento que passa pela sua cabeça - "Perder esta partida será horrível” - sem julgamento. Você percebe e observa que é apenas um pensamento - e que não representa necessariamente a realidade. Não há necessidade de lutar, se engajar ou suprimir seus pensamentos. Apenas observe, retorne e se comprometa com seu plano de jogo.
Este modelo tem fundamentação teórica e evidências científicas?
O uso de abordagens baseadas em mindfulness, aceitação e compromisso tem ganhado destaque como uma alternativa aos métodos tradicionais de treinamento psicológico no esporte. Essas abordagens propõem que, em vez de tentar controlar ou eliminar pensamentos e emoções negativas, os atletas podem melhorar seu desempenho ao aceitar essas experiências internas e focar no momento presente. Embora muitos estudos tenham mostrado efeitos positivos das intervenções baseadas em mindfulness e aceitação, a validade interna das pesquisas é limitada, dificultando a formulação de afirmações causais fortes sobre os benefícios dessas estratégias para os atletas. Mais estudos de alta qualidade são necessários para fortalecer a confiança nesses efeitos. Ainda assim, segundo as pesquisas, os principais resultados desta abordagem são:
Regulação Emocional
A prática de mindfulness e a aceitação experiencial são associadas a melhorias na regulação emocional e na flexibilidade psicológica. Atletas que praticam mindfulness tendem a apresentar melhor regulação de emoções negativas e maior clareza sobre sua vida interna, o que pode contribuir para um melhor desempenho esportivo.
Atenção e Consciência
A prática de mindfulness melhora a atenção e a consciência do momento presente, o que é crucial para o desempenho esportivo. Isso pode reduzir a probabilidade de bloqueio durante a execução de habilidades automáticas, permitindo que os atletas mantenham o foco em suas ações sem se distrair com pensamentos ou emoções negativas.
Coincidência ou não, os resultados com mais evidências científicas estão alinhados com os benefícios descritos por Djokovic.
A jornada de Novak Djokovic nos mostra que o treinamento mental não é apenas um complemento, mas um pilar fundamental para os bons resultados no esporte de alto rendimento. A capacidade de gerenciar emoções, manter o foco e adaptar-se às adversidades, como demonstrada no Australian Open, reforça a importância de treinar a mente da mesma forma que treinamos o corpo.
E você, como tem treinando sua mente?
Quer ajuda?
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