O outro lado do alto rendimento: o que os dados e os atletas revelam
- Markus Lothar Fourier
- há 13 minutos
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No mundo do esporte, onde a força física, a técnica e a superação são sempre exaltadas, há um aspecto muitas vezes invisível que determina o sucesso ou o fracasso de um atleta: a saúde mental.
Em meio a torneios, treinamentos e expectativas altíssimas, atletas vivem pressões constantes — externas e internas. Recentemente, o tenista Alexander Zverev deu um depoimento sincero após sua eliminação em Wimbledon. Em sua fala, mais do que a frustração por uma derrota, ele expôs algo mais profundo:
“Eu me sinto muito sozinho na vida neste momento. [...] Mesmo vencendo, já não sinto a mesma alegria. Vou dormir sem vontade de acordar no dia seguinte. Nunca me senti assim antes.” — Alexander Zverev, Wimbledon 2025
Zverev admitiu, inclusive, que está considerando fazer psicoterapia pela primeira vez na vida. E isso, por si só, já é um passo significativo. Num meio onde ainda existe preconceito sobre pedir ajuda, ouvir um atleta desse nível falar abertamente de suas dificuldades é algo poderoso — e necessário.
O treinador Goran Ivanisevic, ex-tenista e técnico de elite, também reforça essa realidade. Segundo ele, a saúde mental virou pauta constante no circuito:
“Quando escuto os jogadores, todos estão tomando antidepressivos. [...] Hoje em dia, a diferença não está no forehand ou backhand — está na cabeça.” — Goran Ivanisevic
A fala pode parecer exagerada, mas os dados confirmam o que os depoimentos ilustram. Um estudo publicado no British Journal of Sports Medicine mostrou que entre atletas de elite:
34% apresentaram sintomas de ansiedade ou depressão;
26% dos ex-atletas continuam enfrentando essas mesmas dificuldades;
E o uso problemático de álcool também aparece em cerca de 19% dos casos analisados.
Esses números são preocupantes. Mas mais preocupante ainda é o silêncio que muitas vezes os acompanha. Existe uma cultura dentro do esporte que valoriza a autossuficiência extrema — como se o atleta precisasse ser sempre mais forte, mais focado, mais “super-humano”. Pedir ajuda, nessa lógica, parece fraqueza. E é aí que mora o perigo.
Como psicólogo e observador do esporte, vejo esse padrão com frequência. A idealização do sucesso, tão presente nas trajetórias esportivas, pode se transformar em uma armadilha. O caminho até o topo é um funil apertado. E mesmo quem chega lá, muitas vezes, descobre que aquele lugar não preenche tudo o que se esperava.
“Não basta ser jogador profissional. Tem que estar na Série A. Não basta ser top 100. Tem que ser top 10. E mesmo assim, nem sempre é suficiente.” — Depoimento pessoal
Some-se a isso uma rotina exaustiva, com calendários apertados, viagens constantes e pouco espaço para o descanso — físico e emocional. No tênis, por exemplo, não há substitutos, não há intervalo, não há tempo para se esconder quando a cabeça não está bem. No futebol, os jogos se acumulam em sequência. E no esporte de base, a pressão por “dar certo” também pesa, às vezes de forma até mais cruel, por tudo o que está em jogo: autoestima, identidade, futuro profissional e pessoal.
Falar sobre saúde mental no esporte não é modismo. É urgência. É prevenção. É cuidado com quem está lá em cima e com quem ainda está tentando chegar. Mais do que reconhecer sintomas, é preciso romper com os estigmas, criar espaços de escuta e acolhimento, e entender que não é possível performar bem de forma sustentável sem saúde mental.
Buscar ajuda não é sinal de fraqueza. É sinal de humanidade. E como disse Zverev, talvez seja hora, pela primeira vez, de fazer algo diferente.
Referências
GOUTTEBARGE, V. et al. Occurrence of mental health symptoms and disorders in current and former elite athletes: a systematic review and meta-analysis. British Journal of Sports Medicine, v. 53, n. 11, p. 700-706, 2019. Disponível em: https://bjsm.bmj.com/content/53/11/700. Acesso em: 10 jul. 2025.
IVANISEVIC, Goran. Entrevista sobre saúde mental no tênis. RG.org, 2025. [Entrevista concedida a veículo não especificado no documento original].
ZVEREV, Alexander. Entrevista após derrota em Wimbledon 2025. Londres: Wimbledon, jul. 2025. [Transcrição de entrevista].
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