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Recuperação em Saúde Mental: uma jornada pessoal e possível

  • Foto do escritor: Markus Lothar Fourier
    Markus Lothar Fourier
  • 23 de jun.
  • 4 min de leitura

Hoje quero compartilhar com você uma ideia que tem ganhado cada vez mais força no campo da saúde mental: a recuperação pessoal. Não estamos falando apenas de “se livrar dos sintomas”, mas de algo mais profundo — uma caminhada pessoal e subjetiva em busca de bem-estar e sentido, mesmo convivendo com os desafios de um transtorno mental.

Essa proposta vem de um guia internacional, intitulado 100 formas de apoiar a recuperação: um guia para profissionais de saúde mental. O que me fez gostar muito deste material é que ele foi construído a partir das experiências de quem viveu a doença na pele, e acho que isso faz muita diferença, porque coloca no centro a vivência real das pessoas — não só o olhar técnico. Vamos aos principais pontos então:


Mais que tratar sintomas: construir sentido

Tradicionalmente, a ideia de recuperação em saúde mental era muito associada à volta à “normalidade”. Era como se o objetivo fosse apenas eliminar sintomas. Mas essa visão tem se ampliado. Hoje, fala-se em recuperação pessoal — um processo profundamente individual, em que cada pessoa constrói um novo significado para a própria vida.


O psicólogo William Anthony, já em 1993, definiu recuperação como uma mudança de atitude, valores, sentimentos, metas e papéis. Ou seja, é sobre encontrar um novo modo de viver bem, mesmo com as limitações impostas pela doença. Isso pode parecer contraditório ou até desagradável. Nossa cultura atual prega essa ilusão de que podemos tudo e por isso, penso eu, muitas pessoas chegam à psicoterapia buscando uma forma de vencer toda e qualquer característica sua que desagrade, e isso nem sempre é possível. Eu sei que esse ponto pode parecer contraintuitivo, tanto que já escrevi sobre ele em outro texto aqui. Se você quiser saber mais, é só clicar aqui. 


Quatro tarefas da recuperação pessoal

Essa jornada de recuperação pode ser compreendida em quatro grandes movimentos:


1. Criar ou reencontrar uma identidade positivaÉ deixar de se ver apenas como “o paciente”. A pessoa é muito mais do que um diagnóstico. Recuperar-se é poder dizer: “Eu sou eu, e não apenas o meu transtorno.”


2. Enquadrar a experiência da doençaIsso significa dar um lugar à doença na própria história — sem negá-la, mas também sem permitir que ela se torne o centro de tudo. É um capítulo, não o livro inteiro.


3. Assumir a autogestão da vida e da saúdeAqui entra a ideia de estar no comando das decisões do dia a dia: buscar ajuda quando necessário, reconhecer limites, mas também exercer escolhas. Não se trata de fazer tudo sozinho, mas de ter voz ativa sobre a própria vida.


4. Redescobrir papéis sociais valorizadosTrata-se de retomar atividades que tragam satisfação: um trabalho, um hobby, um grupo, uma causa. Algo que conecte a pessoa com a comunidade e com aquilo que dá sentido à sua existência. Como diria Jacob Levy Moreno: ao investir na saúde, naquilo onde o sujeito é potente e criativo, vamos naturalmente enfraquecendo a doença. 


Relações que fazem a diferença

A recuperação não acontece no vácuo. Relações significativas têm um papel central. O apoio de pessoas que já passaram por situações parecidas pode ser especialmente poderoso. Esses vínculos mostram que é possível sim construir uma vida boa, apesar dos percalços.


O papel dos profissionais também muda: de autoridade que dita o caminho, para parceiro de caminhada. O guia fala em mutualidade, uma relação baseada em escuta, respeito e apoio às decisões da própria pessoa.


E claro, a família, os amigos, a comunidade como um todo podem ser fontes fundamentais de pertencimento e esperança. Um gesto de acolhimento, uma escuta sem julgamento, ou simplesmente estar presente, pode ter um impacto imenso.


A força da esperança (e do empoderamento)

A esperança é o motor da recuperação. E ela não nasce do nada — ela cresce quando há gente em volta que acredita de verdade no potencial da pessoa. Que entende que recaídas fazem parte do processo e que cada pequeno passo é digno de reconhecimento.

Outro conceito importante do texto é o de empoderamento: a ideia de que a pessoa tem e pode desenvolver recursos para cuidar de si mesma. Os tratamentos, inclusive os medicamentos quando necessários, não são o centro da vida — são ferramentas a serviço dos objetivos da pessoa. Como diria o professor Christian Dunker, da USP, as pessoas precisam desenvolver recursos próprios e subjetivos para se acalmarem, para se cuidarem.


O tal do risco positivo

Por fim, vale destacar uma noção que pode soar estranha à primeira vista: o risco positivo. Sim, arriscar pode ser algo bom. Não estamos falando de colocar-se em perigo, mas de dar pequenos passos fora da zona de conforto. Tentar algo novo, começar um curso, se aproximar de alguém, se inscrever num projeto. Esses movimentos, mesmo incertos, fazem parte do processo de viver — e de se recuperar.


Um novo olhar para quem cuida

Se você é familiar ou amigo de alguém que está nesse processo, talvez a melhor pergunta não seja: “como posso controlar a situação?”, mas sim: “como posso apoiar essa pessoa a construir uma vida com mais sentido para ela?”. Às vezes, o mais importante é reconhecer e celebrar as forças dela — e caminhar ao lado, com esperança e confiança.


Referências:


ENCONTRAR+SE (Portugal). Guia de apoio à recuperação pessoal em saúde mental: um plano para a mudança. Porto: Associação Encontrar+se, 2015.

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Markus Fourier

Psicólogo CRP 06/155904

R. Havaí, 78 - Sumaré, São Paulo

Daimon - Centro de Estudos de Relacionamento

Próximo da estação de metrô Vila Madalena

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